Preconceito Linguístico, o que é, como se faz?
DEZ CISÕES
para um ensino de língua
não (ou menos) preconceituoso
1)
Conscientizar-se de que todo falante nativo de uma língua é um usuário
competente dessa língua, por isso ele SABE essa língua. Entre os 3 e 4 anos de
idade, uma criança já domina integralmente a gramática de sua língua. Sendo
assim,
2) aceitar
a idéia de que não existe erro de português. Existem diferenças de
uso ou alternativas de uso em relação à regra única proposta pela
gramática normativa.
3) Não
confundir erro de português (que, afinal, não existe) com simples erro de ortografia.
A ortografia é artificial, ao contrário da língua, que é natural. A
ortografia é uma decisão política, é imposta por decreto, por isso ela pode
mudar, e muda, de uma época para outra. Em 1899 as pessoas estudavam psychologia
e história do Egypto; em 1999 elas estudam psicologia e
história do Egito. Línguas que não têm escrita nem por isso deixam de
ter sua gramática.
4)
Reconhecer que tudo o que a Gramática Tradicional chama de erro é na
verdade um fenômeno que tem uma explicação científica perfeitamente
demonstrável. Se milhões de pessoas (cultas inclusive) estão optando por um uso
que difere da regra prescrita nas gramáticas normativas é porque há alguma
regra nova sobrepondo-se à antiga. Assim, o problema está com a regra
tradicional, e não com as pessoas, que são falantes nativos e perfeitamente
competentes de sua língua. Nada é por acaso.
5)
Conscientizar-se de que toda língua muda e varia. O que hoje é visto
como “certo” já foi “erro” no passado. O que hoje é considerado “erro” pode vir
a ser perfeitamente aceito como “certo” no futuro da língua. Um exemplo: no
português medieval existia um verbo leixar (que aparece até na Carta de
Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel I). Com o tempo, esse verbo foi sendo
pronunciado deixar, porque [d] e [l] são consoantes aparentadas, o que
permitiu a troca de uma pela outra. Hoje quem pronunciar leixar vai
estar cometendo um “erro” (vai ser acusado de desleixo), muito embora
essa forma seja mais próxima da origem
[pg. 143] latina, laxare (compare-se, por exemplo, o francês laisser
e o italiano lasciare). Por isso é bom evitar classificar algum
fenômeno gramatical de “erro”: ele pode ser, na verdade, um indício do que será
a língua no futuro.
6) Dar-se
conta de que a língua portuguesa não vai nem bem, nem mal. Ela simplesmente
VAI, isto é, segue seu rumo, prossegue em sua evolução, em sua transformação,
que não pode ser detida (a não ser com a eliminação física de todos os seus
falantes).
7)
Respeitar a variedade lingüística de toda e qualquer pessoa, pois isso
equivale a respeitar a integridade física e espiritual dessa pessoa como ser
humano, porque
8) a
língua permeia tudo, ela nos constitui enquanto seres humanos Nós somos a
língua que falamos. A língua que falamos molda nosso modo de ver o mundo e
nosso modo de ver o mundo molda a língua que falamos. Para os falantes de
português, por exemplo, a diferença entre ser e estar é
fundamental: eu estou infeliz é radicalmente diferente, para nós, de eu
sou infeliz. Ora, línguas como o inglês, o francês e o alemão têm um único
verbo para exprimir as duas coisas. Outras, como o russo, não têm verbo nenhum,
dizendo algo assim como: Eu - infeliz (o russo, na escrita, usa
mesmo um travessão onde nós inserimos um verbo de ligação). Assim,
9) uma vez
que a língua está em tudo e tudo está na língua, o professor de português é
professor de TUDO. (Alguém já me disse que talvez por isso o professor de
português devesse receber um salário igual à soma dos salários de todos os
outros professores!)
10)
Ensinar bem é ensinar para o bem. Ensinar para o bem significa respeitar o
conhecimento intuitivo do aluno, valorizar o que ele já sabe do mundo, da vida,
reconhecer na língua que ele fala a sua própria identidade como ser humano.
Ensinar para o bem é acrescentar e não suprimir, é elevar e não rebaixar a
auto-estima do indivíduo. Somente assim, no início de cada ano letivo este
indivíduo poderá comemorar a volta às aulas, em vez de lamentar a volta
às jaulas!
Marcos Bagno
Muito bom esse livro. Li e recomendo.
ResponderExcluirUm abraço Elaine.