segunda-feira, 16 de abril de 2012

Preconceito Linguístico, o que é, como se faz?


 

DEZ CISÕES

para um ensino de língua

não (ou menos) preconceituoso

 

1) Conscientizar-se de que todo falante nativo de uma lín­gua é um usuário competente dessa língua, por isso ele SABE essa língua. Entre os 3 e 4 anos de idade, uma criança já domina integralmente a gramática de sua lín­gua. Sendo assim,

 

 2) aceitar a idéia de que não existe erro de português. Existem diferenças de uso ou alternativas de uso em relação à regra única proposta pela gramática normativa.

 

3) Não confundir erro de português (que, afinal, não exis­te) com simples erro de ortografia. A ortografia é arti­ficial, ao contrário da língua, que é natural. A ortografia é uma decisão política, é imposta por decreto, por isso ela pode mudar, e muda, de uma época para outra. Em 1899 as pessoas estudavam psychologia e história do Egypto; em 1999 elas estudam psicologia e história do Egito. Línguas que não têm escrita nem por isso deixam de ter sua gramática.

 

 4) Reconhecer que tudo o que a Gramática Tradicional chama de erro é na verdade um fenômeno que tem uma explicação científica perfeitamente demonstrável. Se milhões de pessoas (cultas inclusive) estão optando por um uso que difere da regra prescrita nas gramáti­cas normativas é porque há alguma regra nova sobre­pondo-se à antiga. Assim, o problema está com a regra tradicional, e não com as pessoas, que são falantes nativos e perfeitamente competentes de sua língua. Nada é por acaso.

 

 5) Conscientizar-se de que toda língua muda e varia. O que hoje é visto como “certo” já foi “erro” no passado. O que hoje é considerado “erro” pode vir a ser perfeitamente aceito como “certo” no futuro da língua. Um exemplo: no português medieval existia um verbo leixar (que aparece até na Carta de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel I). Com o tempo, esse verbo foi sendo pronunciado deixar, porque [d] e [l] são consoantes aparentadas, o que permi­tiu a troca de uma pela outra. Hoje quem pronunciar leixar vai estar cometendo um “erro” (vai ser acusado de deslei­xo), muito embora essa forma seja mais próxima da origem [pg. 143] latina, laxare (compare-se, por exemplo, o francês laisser e o italiano lasciare). Por isso é bom evitar classi­ficar algum fenômeno gramatical de “erro”: ele pode ser, na verdade, um indício do que será a língua no futuro.

 

6) Dar-se conta de que a língua portuguesa não vai nem bem, nem mal. Ela simplesmente VAI, isto é, segue seu rumo, prossegue em sua evolução, em sua transforma­ção, que não pode ser detida (a não ser com a eliminação física de todos os seus falantes).

 

7) Respeitar a variedade lingüística de toda e qualquer pes­soa, pois isso equivale a respeitar a integridade física e espiritual dessa pessoa como ser humano, porque

 

 8) a língua permeia tudo, ela nos constitui enquanto seres humanos Nós somos a língua que falamos. A língua que falamos molda nosso modo de ver o mundo e nosso modo de ver o mundo molda a língua que falamos. Para os falantes de português, por exemplo, a diferença entre ser e estar é fundamental: eu estou infeliz é radicalmen­te diferente, para nós, de eu sou infeliz. Ora, línguas como o inglês, o francês e o alemão têm um único verbo para exprimir as duas coisas. Outras, como o russo, não têm verbo nenhum, dizendo algo assim como: Eu - infeliz (o russo, na escrita, usa mesmo um travessão onde nós inserimos um verbo de ligação). Assim,

 

 9) uma vez que a língua está em tudo e tudo está na língua, o professor de português é professor de TUDO. (Alguém já me disse que talvez por isso o professor de português devesse receber um salário igual à soma dos salários de todos os outros professores!)

 

 10) Ensinar bem é ensinar para o bem. Ensinar para o bem significa respeitar o conhecimento intuitivo do aluno, valorizar o que ele já sabe do mundo, da vida, reconhe­cer na língua que ele fala a sua própria identidade como ser humano. Ensinar para o bem é acrescentar e não suprimir, é elevar e não rebaixar a auto-estima do indi­víduo. Somente assim, no início de cada ano letivo este indivíduo poderá comemorar a volta às aulas, em vez de lamentar a volta às jaulas!

 

Marcos Bagno 

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